Culpa Fenotípica

Já telefonara a todas as Ópticas da cidade e das cidades mais próximas.
Nenhuma tinha, nem prá remédio, e ninguém sabia onde poderia comprar.
Partia então para a compra “on line”, via internet, apesar de meio arredia.
Não por não confiar na seriedade, mas por não confiar na fidelidade das cores.
Já havia se enganado antes em compras internéticas.
As flores tinham uma cor azul linda no monitor, mas, quando viu o vaso à noite, apesar de belas, não tinham aquela cor “monitorada”.
E, no caso, a cor era tudo!
Então, virou e revirou.
E não achou um par sequer de lentes pretas ou marrons – castanhas, no caso -, só azul, verde, verde ice, ocre.
- Já pensou – pensou - lentes de contato ocre!? Sobre olhos azuis, como os meus (dela)? Vai que ficassem, sei lá, roxas! Deus me livre!
Com o cabelo fora bem mais fácil.
Na farmácia havia mais tintura para cabelo do que remédio.
Escolhera um tom castanho claro, para não radicalizar.
De família lituano-polonesa, nascida e criada na Vila Zelina, tinha os cabelos louros bem claros e os olhos bem azuis.
Por isso que vinha se sentindo assim, como dizer, culpada!
Havia reparado que nem o Dim Dim, cobrador do ônibus de todas as manhãs, conhecido de todos os passageiros e conhecedor de todos eles, sempre os mesmos, nos mesmos pontos e horários, e sempre tão solícito e bem humorado, conversando com o motorista através dos sinais de moeda batida no balaústre do buzum, nem ele a cumprimentava mais!
O mesmo com relação aos outros passageiros.
Aliás, era sair da Vila Zelina para ser olhada com desconfiança ou até com raiva.
Ou seria neura?
Tingira os cabelos e só saia de óculos escuros, ainda que fosse muito cedo e as lâmpadas das ruas ainda estivessem acesas e o sol apagado; ou fosse tarde, quando voltava do trabalho, as luzes das ruas já acesas e o sol apagado.
Mas achara, finalmente, uma loja “on line” que tinha lentes grafite!
- Grafite! Pensou – vai ficar até bonito! Não é preto nem é cinza. Havia pensado em cinza, que havia à vontade, mas cinza, já vira, é quase azul.
Cor dos olhos: grafite! Ótimo!
Encomendou.
Pagou no cartão.
Quase trezentos reais.
E ainda havia que esperar quinze dias úteis, pagando o SEDEX.
Imagina se fosse entrega comum! Ainda quinze dias de angústia...
Graduação?
Ela não queria graduação alguma, não tinha problema de visão, mas a óptica não tinha lente de contato de grau zero.
Então, encomendou 0,25 para cada olho.
Fazer o quê? Esperava que não desse problema a longo prazo.
Também, pensou, a longo prazo essa crise já teria passado e sido esquecida e ela também.
Ingênua, não pensou que talvez houvesse milhares de pessoas em Curitiba e daí para o sul, pensando e sentindo como ela.
Daria até uma ONG dos Inocentes Culpados.
Por que ela se sentia culpada.
Culpada, mas inocente:
Também, como é que poderia imaginar, em agosto de 2008, que assinando aquele “contrato de compra e venda com pacto abjeto de hipoteca”, que fizera junto com o irmão, para “compor a renda”, sem o quê, o mano não poderia comprar a casinha do conjunto habitacional, lá pros lados de São Mateus, iria provocar a falência do tal do Merrilinxi?
E que, com a falência do Merrilinxi por causa dela ser uma subipraimi, fosse haver essa crise toda?
E mais, como é que ela poderia supor que, acontecendo tudo isso, o grande Presidente Calamar iria sacar que a culpa era de alguém louro de olhos azuis?
Que bom que ele não disse nomes!

Nenhum comentário:

Postar um comentário