Capítulo II - Dirigir em Curitiba (cont.)

Outro problema, além de saber para onde ir, é saber para onde os curitibanos vão.
Se for domingo à tarde, é fácil: a pé, vão ao jogo do Atlético. De carro, vão ao shopping (se têm dinheiro, ao Shopping Crystal, se não, ao Barigüi, onde o estacionamento é gratuito e se estaciona no estacionamento, e junto às paredes, sobre as faixas de separação das ruas internas, naquele canto, neste canto, ou simplesmente não se estaciona, porque superlota, e aí se vai estacionar no Carrefour em frente, ou na rua. Que acabam lotando também).
Não sendo domingo à tarde, é difícil saber aonde vão, porque não usam a seta.
A impressão é que não querem que os outros saibam para onde vão.
Então, não sinalizam.
De repente, o sujeito da frente vira.
Simplesmente.
Se for para uma outra rua, menos mal.
Mas fazem o mesmo quando entram numa garagem ou quando estacionam. Simplesmente o fazem, sem mais aquela.
E tome de freada brusca ou golpe de direção, para escapar de porrar um porra desses...
E mais, falar ao celular dirigindo parece que é obrigatório!
É impressionante a quantidade de pessoas que o fazem.
Assim como beber (chego lá).
Outra questão é que todas as curvas, em Curitiba, são abertas. Por definição.
Uma rua estreita, larga, não importa: o motorista curitibano vai sempre lá do outro lado da rua para fazer a curva.
Tem-se a impressão de que sempre tenta atropelar o pedestre que está quase chegando à outra calçada.
Vive tentando um strike! (às vezes consegue...)
Ai de quem entra junto de um curitibano numa curva: ou freia, ou sobe na calçada ou tromba.
É impossível a dois curitibanos, por maior que seja o espaço, e mesmo estando lado a lado, fazerem uma curva simultaneamente.
Aqui todo mundo dirige ônibus bi articulado, mesmo que seja um Ka.
Outro destaque são os semáforos (faróis, sinaleiras etc) que, embora sejam iguais no mundo todo, em Curitiba têm uma interpretação exclusiva:
Verde = Ande; Amarelo = Corra; Vermelho = Voe!
Então, jamais, jamais arranque ao abrir o sinal verde!
Há o risco de ser morto pelo sujeito que enfiou o pé embaixo para aproveitar aquele restinho de sinal nitidamente amarelo PARA ELE!
Porque o amarelo tem dono, não é amarelo igual para os dois lados: o amarelo do lado que estava verde é uma espécie de prorrogação, assim como o vermelho é uma continuidade do amarelo, portanto...
Ora, isso, associado às horríveis calçadas de Curitiba – quase todas as ruas têm calçadas de paralelepípedos, o que torna impossível andar de chinelo, sandália, de sapato de salto, puxando mala, empurrando carrinho ou cadeira de roooddasss e, em qualquer caso, em dia de chuva, porque, molhadas, são um sabão essas calçadas – que fazem com que muita gente ande pela rua, o que provoca uma enorme quantidade de atropelamentos.
Parece que atropelar é o esporte típico.
Uma rádio local faz campanha para que se respeitem os semáforos.
Explica o sentido universal do amarelo e diz quantos atropelamentos houve, desde o começo do ano.
E não dá outra: os motoristas ouvem e adotam o resoluto princípio de quebrar a marca! Só pode ser!
Como é sabido, curitibano é absolutamente provinciano e pequeno burguês e qualquer um acha que é e que pode mais que outro qualquer um, ao menos até que se cotejem os sobrenomes.
E, portanto, ninguém dá preferência para ninguém, porque, como a preferência é de cada um, em relação a todos os demais, e vice-versa, ninguém tem vez.
Assim, para sair da garagem e entrar no trânsito, ou se tem muita paciência ou muita coragem (ou sorte, por exemplo, de se entrar no exato instante em que um semáforo interrompe, finalmente, o fluxo de um lado, e o do outro lado ainda não está em cima do infeliz que quer trafegar).
Não apenas não dão vez, como aceleram para impedir que se entre no tráfego!
Um verdadeiro curitibano não admite ser pego distraído e poder ser visto pelos outros como um frouxo que deixou alguém entrar na sua frente, no trânsito.
Pode parecer exagero, mas é tão verdade que, outro dia, semana passada, parei na Av. Batel, sentido bairro, para que uma senhora, que vinha dirigindo em sentido oposto, com o carro parado no meio da rua, pudesse passar pela minha frente e entrar onde quer que fosse.
Parei.
O trânsito parou atrás de mim, e a dona não ia.
Pisquei o farol do carro, e ela continuou travada.
A impressão era de que ela achava que, quando estivesse bem na minha frente, eu arremeteria e passaria através dela e do carro dela, com uma faca entre os dentes e um riso malévolo!
Como a dona não ia, fiquei acenando, fazendo sinal com a mão para que passasse.
Ela relutou.
Tinha medo.
Então, encheu-se de brios e pisou fundo:
Cantando pneus, foi de zero a cem e, num átimo, estava na garagem.
Deve ter respirado, aliviada por ter sido tão esperta e me enganado: eu não consegui pegá-la a meia nau!
Os outros motoristas, os que estavam atrás de mim, e os que estavam atrás dela, buzinando e xingando, devem ter pensado que eu sou um rematado idiota, primeiro, por ter dado passagem, depois, por não ter aproveitado para, no mínimo, dar um susto assustador na dona.
E, pior, senti-me mesmo um idiota e saí xingando todo mundo!
Mais uma, que não é privilégio, mas é muito, muito praticada, é a contramão para aproveitar que está pertinho.
Então, como está perto a esquina da rua em que se quer entrar, não faz mal que a rua em que se está, naquele sentido, seja contramão...
O que são 50 ou 100m de contramão? Nada!
É claro que se poderia ir de ré.
E aí, “moonwalk” é contramão?
Não!
Então!
Agora, pegar a contramão dentro do shopping, para chegar às (poucas) vagas, antes dos outros trouxas que seguem as setas de sentido, faz sentido?!
Em Curitiba, faz.
Assim como trafegar na BR (numa BR), com um caminhão, por mais de 1 km, na contramão.
No mínimo, para aparecer no Fantástico.
Conseguiu!

2 comentários:

  1. .. Alboíno, adorei!!! Esta cidade é mesmo uma m...a.

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  2. Mas tem um marquetingui poderoso!
    De qualquer forma, m* com açúcar pode até ser doce, mas continuará sendo m*!

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